terça-feira, 9 de outubro de 2007

... a revolução continua ...

Muito pó por todo o lado, muita confusão, muitas coisas revoltas, amanhadas à pressa, atiradas para caixas e caixotes, emaladas, olhadas com uma certa tristeza, incerteza também. Valerá apenas guardar ainda isto ou então atirar para o lixo? As roupas, antigas, velhas, os rostos que nos miraram dos retratos durante anos lá de cima, dos seus lugares cativos de destaque, agora por terra, sentem-se avaliados pelos vivos, carregados, vão para um local bem menos digno do seu orgulho poeirento. As mobílias, cheias de pó, já do tempo em que se compravam coisas novas para aquela casa, desmontam-se ou cobrem-se com plásticos. Pode ser que ainda aguentem uma mexida destas! Até os aranhos sentem o sobressalto, correndo rápidos e assustados de aqui para ali. Estranham tanto movimento, as vozes que se levantam, discordam, ralham ou riem. Também eles precisam de procurar novo lar...
Por fim, no dia seguinte de manhã os pedreiros empoleiraram-se no telhado e começaram a tirar as telhas antigas, destelharam, destelharam, destelharam... a poeirada dos 56 anos de construção apoderou-se de toda a rua ("até à igreja", como disse o meu tio), as vizinhas trancaram-se em casa, calafetaram portas e janelas.
À tarde, depois do almoço, os pedreiros munidos com uma espécie de ferro dobrado na ponta, puxaram pelas canas, levantaram pregos ferrugentos e muito pó, arrancaram as canas com uma facilidade surpreendente. Minutos depois estava tudo no chão. Eu e a minha avó olhamos para tudo isto com admiração. Senti uma felicidade enorme! Que espectáculo maravilhoso! Que oportunidade de olhar a transformação! Que felicidade, que dádiva ... assistir assim a um desmoronar de tanta coisa velha, de tanto tecto, tanta telha ...
Lindo, aquele relento, todo aquele ar, tanta noite a entrar pelo vazio a descoberto lá do cimo ... a limpar, a renovar, a apaziguar as querelas antigas, a abraçar alegrias e tristezas ... embalando a criança o bebé está tudo bem, pronto descansa agora, está tudo bem ...

1 comentário:

Dorka disse...

Entendo-te bem... mesmo assim tie uma impressao como se estivesse a ler uma passagem do livro: Cem anos de Solidao. Curioso, nao?