domingo, 30 de setembro de 2007

Um ser humano faz parte do todo a que chamamos universo, uma parte limitada no tempo e no espaço. A experiência que tem de si mesmo, dos seus pensamentos e sentimentos, é a de algo de separado do resto, uma espécie de ilusão óptica da sua consciência. Esta ilusão é uma espécie de prisão para nós, restringindo-nos aos nossos desejos pessoais e ao afecto por algumas pessoas que nos são mais próximas. A nossa tarefa deverá ser a de nos libertarmos desta prisão, alargando o círculo da nossa compaixão de modo a abranger todas as criaturas vivas e a totalidade da natureza na sua beleza.

Albert Einstein

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Fios

Na semana passada tive uma experiência inédita até aqui: fui ao cinema, à primeira sessão da tarde, e tive o privilégio de ser a única pessoa na enorme sala!!! De início senti-me um pouco atrapalhada e também curiosa, seria que iam passar o filme só para mim? E não é que foi isso mesmo que aconteceu?!?
Ouvi no filme a canção "Gracias a la vida" e fiquei com ela atrás da orelha. Descobri a letra na internet e fiquei a saber que era da autoria de Violeta Parra. Já ouvi várias interpretações, mas a dela tem um sabor especial, pelo menos para mim. Não sei explicar exactamente porquê. É algo que sinto.
Depois descobri um vídeo onde a própria Violeta Parra canta e toca uma canção (nem sei como se chama) e achei muito belo... mais adiante, na entrevista, quando lhe perguntam que forma de expressão criativa escolheria se fosse obrigada a decidir-se por apenas uma (ela compunha, interpretava, tocava, pintava, escrevia, elaborava tapeçarias, entre outras coisas) e ela, olhando para baixo, um pouco incerta, mas segura também, respondeu: "eu escolhia ficar com as pessoas, pois são elas que me motivam a fazer tudo isso".
A forma como ela fala, as mãos a trabalhar na guitarra, no pano, com o pincel... um toque sensível, uma linguagem que ultrapassa a palavra e o silêncio
Que bonito. É enternecedor, faz-me sentir uma grande emoção...

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Violeta Parra Chile

Gracias a la vida

Gracias a la vida, que me ha dado tanto.
Me dio dos luceros, que cuando los abro,
Perfecto distingo lo negro del blanco,
Y en el alto cielo su fondo estrellado,
Y en las multitudes el hombre que yo amo.

Gracias a la vida, que me ha dado tanto.
Me ha dado el oído que, en todo su ancho,
Graba noche y día grillos y canarios
Martillos, turbinas, ladridos, chubascos,
Y la voz tan tierna de mi bien amado.

Gracias a la vida, que me ha dado tanto,
Me ha dado el sonido y el abecedario.
Con él las palabras que pienso y declaro,
"Madre,", "amigo," "hermano," y los alumbrando
La ruta del alma del que estoy amando.

Gracias a la vida, que me ha dado tanto.
Me ha dado la marcha de mis pies cansados.
Con ellos anduve ciudades y charcos,
Playas y desiertos, montañas y llanos,
Y la casa tuya, tu calle y tu patio.

Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me dio el corazón, que agita su marco.
Cuando miro el fruto del cerebro humano,
Cuando miro al bueno tan lejos del malo.
Cuando miro el fondo de tus ojos claros.

Gracias a la vida que me ha dado tanto.
Me ha dado la risa, y me ha dado el llanto.
Así yo distingo dicha de quebranto,
Los dos materiales que forman mi canto,
Y el canto de ustedes que es el mismo canto.
Y el canto de todos que es mi propio canto.

Gracias a la vida que me ha dado tanto.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Nutrição

Nunca tive grande interesse pela cozinha nem pelos cozinhados, isto apesar de gostar muito de comidas saborosas. Sempre que podia lá ia eu experimentar um novo restaurante vegetariano ou provar comidas "diferentes", de outros países, sempre cheia de curiosidade em descobrir novos paladares.
Em Agosto decidi-me aventurar na cozinha. Comprei a revista Cozinha Saudável & Vegetariana e, quase sem dar por isso, fui-me entusiasmando com o cozinhados! De início não arriscava confeccionar pratos que me pareciam mais complicados, mas, aos poucos fui experimentando, provando, tentando... até hoje! Agora é raro comer fora, já quase nem o faço ao fim de semana. Tenho um enorme gosto em sentar-me a "programar" os pratos, depois ir procurar os ingredientes aqui e ali e ir para a cozinha recriar! Claro que comer aquilo que fiz é um momento muito especial, especialmente porque levar à boca aquilo que nos saiu das mãos não tem preço.
Hoje em dia parece que tudo já sai pronto e acabado de algum sítio que nos é desconhecido. É como se que não tomássemos contacto com partes essenciais à nossa existência. Parece que nem estamos interessados, com tanta coisa que nos dispersa, nos ocupa.
Ultimamente tenho-me libertado em inúmeras actividades criativas. Cozinhar, afinal, também não foge à regra... é uma arte muitíssimo criativa que não só alimenta o corpo, como também é uma forma de nutrir a alma. Outra verdadeira surpresa!

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

A menina entra

Às vezes vejo uma menina muito pequenina que envolve tudo à sua volta com um brilho no olhar... tem um desejo muito forte dentro dela, mas não é por palavras que o manifesta. Há qualquer coisa nessa sua presença, talvez uma linguagem poderosa e essencial que não se deixa rodear pela articulação organizada de sons nem pela fala. É um animal selvagem, um ser de liberdade... nasceu livre é livre

... um trovão rasga o céu negro e os relâmpagos acendem-se, ligam pontos invisíveis com fios de luz tão caóticos como a tempestade interior ...
Aquela menina não hesita, uma força maior vinda de dentro, fundo da vontade mais pura faz com que se entregue à escolha ... isso implica a responsabilidade pelo seu acto de vida. Ela sabe que não há regresso nesta estrada. Outros regressos há, mas não nesta estrada
Então, decidida, respira fundo, pega no trambelho velho e ferrugento, dás uns passos em frente e entra pela porta adentro

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

portas de dentro e de fora



Quase uma vida inteira a abrir e a fechar uma porta velha! Sair e entrar por um sinal do passado que foi mantido no presente por uma vontade estranha de perpetuar cadáveres ... como se a casa nova de então merecesse ter na entrada a cara velha desses difíceis tempos já idos ... para recordar a quem ali entrasse ou saísse, a quem a visse ao passar na rua que ali ainda habitava o espírito antigo!

Talvez fosse por medo. E se esse espírito das gerações passadas de pais, avós e bisavós se revoltasse lá do sítio do eterno descanso? Talvez sentissem como traição a mudança de uma porta velha, o seu legado, a sua herança ...

Não! A porta velha tinha de permanecer, mais 25 ou 30 anos! A marcar a sua presença, o seu caruncho antigo ... a lembrar aos actuais habitantes da casa renovada com novas paredes e ampliada com mais um andar que quem por ali entra vai para o passado profundo. Quem ali vive alimenta os segredos dos tempos que se desejariam remeter ao esquecimento ... mas não ... ali tudo o que tenha pó e teias de aranha é enaltecido ... reverenciado ... mantém-se inalterado ... Quem por aquela porta sai já não volta mais a ser o mesmo. É como uma espécie de iniciação, um rito de passagem para inocências perdidas ...

Quem passa na rua olhava aquela porta com espanto, repulsa e curiosidade. Como era poderosa! Conseguia também lançar o seu encantamento para o exterior. As excentricidades, com o passar dos anos, deixaram de ser uma novidade para os vizinhos. Pois, afinal era assim, nada a fazer. Uma aceitação resignada, pegajosa...

Pois é ... mas temos tendência a esquecer que tudo está em movimento ... somos seres de tempo e de espaço ...

Um dia ... no Sábado passado ... uma vontade ainda maior desfez a magia e retirou a afinal frágil porta, já velha e cansada ... a outra, a nova, aguardou tanto tempo o momento de se mostrar ... que grande surpresa!!!
A alegria maior é ter vivido essa mudança, estar presente ... afinal também eu mudei, cá dentro, uma porta velha e com a maior felicidade do mundo coloquei outra nova, mais leve e brilhante, mais fácil de abrir e fechar ...

terça-feira, 11 de setembro de 2007

O infinito

O senhor Henri pediu um copo de absinto.
O senhor Henri disse: há dois dias que não bebo.
... ando a fazer umas medições de um edifício antigo - disse o senhor Henri - e se bebo absinto as medidas do interior da casa ficam quase o dobro das medidas do exterior da casa.
... será possível uma casa ter uma das paredes com uma largura interior de dez metros e por fora medir apenas cinco?
... o meu conceito de infinito é este: uma caixa que por dentro mede 20x10x10, e que por fora mede l0x5x5.
... o infinito vem no absinto - disse.
E o senhor Henri, levantando o dedo indicador da mão, pediu ainda: mais um infinito, por favor. E dos grandes!

O Senhor Henri
Tem-me dado imenso prazer este livro... e vontade de rir... talvez mais sorrir, pois é um sorriso que acarreta também uma faceta melancólica, sentida, triste afinal. O Senhor Henri bebe absinto desde o princípio ao fim e fala, disserta sobre tudo e nada... não sei porquê mas fez-me lembrar aqueles tempos remotos em que também bebia esse estranho "licor" esverdeado... cheguei até a andar com uma garrafa na mochila...
Como as coisas são... como tudo muda...!

domingo, 9 de setembro de 2007

Celebração!

Adoro estas celebrações que me arrancam os pés do chão, me inspiram a gritar, pular, libertar! Ajudam-me a ficar perto da vida, do mundo, de tudo aquilo que me rodeia! Ontem à noite vivi um desses momentos especiais e soltei-me para a vida. Uma noite agradável, uma multidão que nos foi rodeando aos poucos, também entusiasmada com o chamamento de ritmo, cor, brilho, loucura dos animados Fanfare Ciocarlia. Ao lado de uma amiga entusiasmada e em delírio, bati palmas, cantei, dancei, vibrei cada instante como um todo sem fim! Que linda celebração de vida autêntica... que felicidade... alegria

Fez-me lembrar esses outros loucos varridos dos Gogol Bordello e do concerto no castelo de Sines! Delírio total, entrega total, dançar, pular, gritar até não poder mais (literalmente)... toda a gente no mesmo estado de espírito, a pedir ao corpo para se superar, ir mais longe! Uma sensação única... uma celebração única também...

Tanta coisa que aconteceu neste Sábado... tanta morte tanto renascimento

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Mysterious Skin


Às vezes o passado vem até nós de forma estranha, inesperada...
... durante um certo tempo (às vezes anos, outras vezes vidas inteiras!) vivemos como que adormecidos, mortos, longe do sentir... e pensamos que estamos vivos... mas essa vida não passa de uma ilusão de viver... afundados numa escuridão densa, polida, respiramos apenas, um ar sem vida, sem vida real! E pensamos que estamos vivos, pois moramos num corpo que nos acolhe vagamente, vemos os dias e as noites que passam... mas nada nos toca verdadeiramente! Nada! Um vazio... como se houvesse um vidro indelével a separa-nos do calor do sol, do toque revigorante do vento... do frio do Inverno... nada! Ilusão de viver! A verdadeira vida foi um sopro que se desvaneceu num qualquer momento... nesse ponto de viragem do passado... há muito muito tempo... um tempo imemorial

E nós sabemos que alguma coisa se passa, pressentimos, de longe que há algo que nos escapa... que a vida nos escapa como areia fina, corremos, buscamos, mas a beleza não tem aquela cor, o filme é a preto e branco. Choramos em segredo uma vida inteira, corremos ou ficamos simplesmente a olhar... passa o comboio e nós no cais... sempre à espera... que o nosso comboio chegue por fim... e nos leve... de volta para o sangue, as veias da vida!

... e um dia, de repente! Uma daquelas peças que andámos a juntar dá-nos um sinal, mexe-se, pisca-nos o olho... estende-nos a sua mão fria num convite, uma interrupção do tempo e do espaço... convida-nos a mergulhar na meia-noite profunda... um salto quântico que nos vai atirar para o abismo negro, onde um bicho de dentes arreganhados se prepara para nos devorar... a rir-se, a rir-se... mas... que escolhas temos? Se sempre esperámos por um sinal, um sonho, uma revelação???Não tenho medo de morrer agora, pois morta já eu estava antes! Nus despidos, sozinhos resta uma chama longínqua de fé coragem entrega

... aí vamos... a morte aguarda-nos, mas a revelação é a cura, o sinal de vida a sarar a sarar... a reconstruir os ossos, o sangue... a cor! Não há preço para esse renascimento... arrancamo-nos de dentro de nós mesmos desse canto sem nome... damo-nos à luz a luz da vida! E essa celebração transborda de dentro de nós para todo o mundo universo

... uma vida, muitas vidas, uma só caminhada

domingo, 2 de setembro de 2007

Um conto zen

Ontem passei umas belas horas à tarde na praia. Eram por volta das quatro e meia quando chegámos lá, o sol já não queimava como nas horas mais quentes, a água estava apetitosa. Enfim, depois da dificuldade em arranjar estacionamento e de toda a gente e carros que surgiam por todos os lado, estender a toalha naquele cantinho da areia, livrar-me da roupa e correr para a água foi um verdadeiro milagre. Não me apetecia sair de lá, nadava de um lado para o outro e boiava virada para o sol... que grande prazer.

Voltei para a toalha, sequei um pouco e peguei no pequeno livro de letras gordas que levara comigo na mochila. Adoro ler na praia! Li o primeiro conto e uma enorme emoção apoderou-se de mim. Como era belo, como me tocou... a beleza de uma lágrima de sal a deslizar num final de tarde de verão

Os patos-mandarim e o samurai

Há já muito, muito tempo, nas margens do lago Mimidoro, a que hoje se chama Mizoro, a nordeste de Quioto, um casal de patos-mandarim vivia em paz. Dava gosto ver, durante os belos Verões, o macho tomar balanço sobre a água, levantar voo, os bigodes cor-de-laranja, o bico vermelho escuro, e as magníficas asas frisadas. A Senhora e as crianças, vestidos. de um cinzento modesto, até o mais velho, que usava ainda a roupagem juvenil, não tiravam os olhos dele. À noite, os patinhos satisfeitos e adormecido, o Senhor, com uma terna bicada na face branca e graciosa, desejava boa-noite à esposa e, no buraco da árvore que lhes servia de casa, toda a família deslizava para o país dos sonhos.
No ano seguinte, nos primeiros dias da Primavera, um jovem samurai veio instalar a sua cabana nas margens do lago. A mulher esperava o primeiro filho. Eram pobres. O samurai teve -de comprar o seu equipamen­to: as calças rufadas, as botas altas, os pu­nhos metálicos e a couraça de quatro abas. A mulher tinha-lhe confeccionado a "faixa de coragem", a mãe tinha economizado du­rante muito tempo para lhe oferecer as duas espadas tradicionais, a longa e a curta. Mas ele ainda não tinha a máscara medonha des­tinada a aterrorizar o inimigo. Esperava que um senhor nobre o tomasse ao seu serviço., Nessa noite, a mulher acordou-o e disse-lhe:
"Meu terno esposo, sei que somos pobres, e não queria importuná-lo, mas sinto já há algum tempo um desejo irresistível de comer carne, e tenho medo que o nosso filho sofra com isso." O jovem samurai não disse nem uma palavra. Pegou no arco e saiu para a noite. Postou-se à beira do lago, emboscado à espera de alguma presa. Por acaso, o pato--mandarim fazia uma passeio nocturno. No despertar da Primavera, com 6 ninho ainda vazio, pensava no duro trabalho de Verão que o esperava, quando fosse necessário ali­mentar toda a família. O samurai entreviu as asas frisadas que cintilavam à luz da lua. Atirou um flecha e matou-o. Meteu-o num saco e, chegado a casa, pendurou-o num ramo ao pé da cabana. Depois voltou para o leito e adormeceu.
Um barulho insólito despertou-o do sono. Uma espécie de "tap, tap!", como um baru­lho de asas. "O pato está apenas ferido, pen­sou, e debate-se no ramo onde o pendurei." Agarrou numa faca e saiu. O pato-mandarim pendurado pelas patas estava bem morto. Mas a fêmea tinha vindo, e batia as asas por baixo dele. O samurai fez brilhar a lâmina ao brandi-la. A pata-mandarim nem se mexeu, nem tentou fugir. Então ele acendeu uma fogueira para assar os dois, macho e fêmea. A pata continuava a bater as asas, indiferente à sua sorte, chorando o esposo morto. O samurai foi então inundado por um sentimento desconhecido. Foi acordar a mulher, mostrou-lhe o espectáculo deste amor conjugal e a esposa chorou.
"Não comerei desta carne por nada deste mundo," disse ela.

As crónicas antigas dizem que o samurai cortou o seu rolo de cabelo de homem de guerra, e se fez monge. Levou uma vida exemplar, protegendo os animais, preocu­pando-se com o mais pequeno insecto, e o seu nome é desde então venerado. Assim foi relatado das coisas do passado.
Os Melhores Contos Zen