segunda-feira, 17 de setembro de 2007

portas de dentro e de fora



Quase uma vida inteira a abrir e a fechar uma porta velha! Sair e entrar por um sinal do passado que foi mantido no presente por uma vontade estranha de perpetuar cadáveres ... como se a casa nova de então merecesse ter na entrada a cara velha desses difíceis tempos já idos ... para recordar a quem ali entrasse ou saísse, a quem a visse ao passar na rua que ali ainda habitava o espírito antigo!

Talvez fosse por medo. E se esse espírito das gerações passadas de pais, avós e bisavós se revoltasse lá do sítio do eterno descanso? Talvez sentissem como traição a mudança de uma porta velha, o seu legado, a sua herança ...

Não! A porta velha tinha de permanecer, mais 25 ou 30 anos! A marcar a sua presença, o seu caruncho antigo ... a lembrar aos actuais habitantes da casa renovada com novas paredes e ampliada com mais um andar que quem por ali entra vai para o passado profundo. Quem ali vive alimenta os segredos dos tempos que se desejariam remeter ao esquecimento ... mas não ... ali tudo o que tenha pó e teias de aranha é enaltecido ... reverenciado ... mantém-se inalterado ... Quem por aquela porta sai já não volta mais a ser o mesmo. É como uma espécie de iniciação, um rito de passagem para inocências perdidas ...

Quem passa na rua olhava aquela porta com espanto, repulsa e curiosidade. Como era poderosa! Conseguia também lançar o seu encantamento para o exterior. As excentricidades, com o passar dos anos, deixaram de ser uma novidade para os vizinhos. Pois, afinal era assim, nada a fazer. Uma aceitação resignada, pegajosa...

Pois é ... mas temos tendência a esquecer que tudo está em movimento ... somos seres de tempo e de espaço ...

Um dia ... no Sábado passado ... uma vontade ainda maior desfez a magia e retirou a afinal frágil porta, já velha e cansada ... a outra, a nova, aguardou tanto tempo o momento de se mostrar ... que grande surpresa!!!
A alegria maior é ter vivido essa mudança, estar presente ... afinal também eu mudei, cá dentro, uma porta velha e com a maior felicidade do mundo coloquei outra nova, mais leve e brilhante, mais fácil de abrir e fechar ...

2 comentários:

Anónimo disse...

Está a tornar-se um ritual chegar ao computador e vir ver-te através desta janela que abriste para o mundo exterior. Fico entusiasmado quando chego e vejo um novo texto... sempre com um toque especial capaz de me fazer encher o peito... como um respirar profundo.

Manuel

... infinitoos particulares ... disse...

Sinto-me bem por ir abrindo estas portas e janelas, por deixar entrar também a sensibilidade e atenção de palavras como as tuas. Obrigada! Como fico feliz!