Há já muito, muito tempo, nas margens do lago Mimidoro, a que hoje se chama Mizoro, a nordeste de Quioto, um casal de patos-mandarim vivia em paz. Dava gosto ver, durante os belos Verões, o macho tomar balanço sobre a água, levantar voo, os bigodes cor-de-laranja, o bico vermelho escuro, e as magníficas asas frisadas. A Senhora e as crianças, vestidos. de um cinzento modesto, até o mais velho, que usava ainda a roupagem juvenil, não tiravam os olhos dele. À noite, os patinhos satisfeitos e adormecido, o Senhor, com uma terna bicada na face branca e graciosa, desejava boa-noite à esposa e, no buraco da árvore que lhes servia de casa, toda a família deslizava para o país dos sonhos.
No ano seguinte, nos primeiros dias da Primavera, um jovem samurai veio instalar a sua cabana nas margens do lago. A mulher esperava o primeiro filho. Eram pobres. O samurai teve -de comprar o seu equipamento: as calças rufadas, as botas altas, os punhos metálicos e a couraça de quatro abas. A mulher tinha-lhe confeccionado a "faixa de coragem", a mãe tinha economizado durante muito tempo para lhe oferecer as duas espadas tradicionais, a longa e a curta. Mas ele ainda não tinha a máscara medonha destinada a aterrorizar o inimigo. Esperava que um senhor nobre o tomasse ao seu serviço., Nessa noite, a mulher acordou-o e disse-lhe:
"Meu terno esposo, sei que somos pobres, e não queria importuná-lo, mas sinto já há algum tempo um desejo irresistível de comer carne, e tenho medo que o nosso filho sofra com isso." O jovem samurai não disse nem uma palavra. Pegou no arco e saiu para a noite. Postou-se à beira do lago, emboscado à espera de alguma presa. Por acaso, o pato--mandarim fazia uma passeio nocturno. No despertar da Primavera, com 6 ninho ainda vazio, pensava no duro trabalho de Verão que o esperava, quando fosse necessário alimentar toda a família. O samurai entreviu as asas frisadas que cintilavam à luz da lua. Atirou um flecha e matou-o. Meteu-o num saco e, chegado a casa, pendurou-o num ramo ao pé da cabana. Depois voltou para o leito e adormeceu.
Um barulho insólito despertou-o do sono. Uma espécie de "tap, tap!", como um barulho de asas. "O pato está apenas ferido, pensou, e debate-se no ramo onde o pendurei." Agarrou numa faca e saiu. O pato-mandarim pendurado pelas patas estava bem morto. Mas a fêmea tinha vindo, e batia as asas por baixo dele. O samurai fez brilhar a lâmina ao brandi-la. A pata-mandarim nem se mexeu, nem tentou fugir. Então ele acendeu uma fogueira para assar os dois, macho e fêmea. A pata continuava a bater as asas, indiferente à sua sorte, chorando o esposo morto. O samurai foi então inundado por um sentimento desconhecido. Foi acordar a mulher, mostrou-lhe o espectáculo deste amor conjugal e a esposa chorou.
"Não comerei desta carne por nada deste mundo," disse ela.
As crónicas antigas dizem que o samurai cortou o seu rolo de cabelo de homem de guerra, e se fez monge. Levou uma vida exemplar, protegendo os animais, preocupando-se com o mais pequeno insecto, e o seu nome é desde então venerado. Assim foi relatado das coisas do passado.
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